Eu sei, eu sei que um em cada três posts deste blog é sobre
Alexandre Nero, e que um blog sobre novela supostamente não é apropriado para
falar do show dele. Porém, eu considero este espaço ironicamente cabível sim,
visto que grande parte do público que se submeteu a sair de casa numa
terça-feira à noite para vê-lo cantar era fã de Romero Rômulo e José Alfredo.
Mas apesar da grandeza dos personagens, nada supera a grandeza do artista. E sob
minha ótica de admiradora (não de crítica, pois não sou especialista em nada), Nero
é cantor antes de ser ator, poeta antes de ser “formador de opinião”, humano
antes de ser celebridade. Aliás, não existe nada de celebridade nele, pois seu
show é de tamanha honestidade que faz criar uma atmosfera intimista a quem
assiste. Tanto que simplesmente não houve uma abertura para o espetáculo.
Enquanto o público entrava, Nero e a banda apareceram no palco para conversar
com quem se aproximava. E da primeira fila, pude vê-lo ironizar a obsessão que todo
mundo sente em fotografar um artista famoso enquanto ele fazia piadas e ouvia
cantadas de pessoas que já estavam se sentindo íntimas (pode me incluir nessa,
foi uma péssima ideia minha tentar agir naturalmente).
Contudo, estive presente muito mais na intenção de cantar,
gritar e sentir toda a atmosfera poética que me encanta na obra de Alexandre do
que propriamente fotografar. Não há foto que compense um momento vivido, e o
espetáculo todo foi um ato digno de ser lembrado. E se não tenho imagens, tenho
ao menos mil palavras para relatar os fatos.
Depois de brincar com o público cantando A Banda num looping irritante e engraçado, Nero deu início ao seu repertório autoral
com Boa Pessoa: uma melodia indescritivelmente boa com uma letra gostosa
sobre a beleza das coisas simples (já era minha favorita há um bom tempo, vista pessoalmente então se tornou uma obra-prima). Logo de cara, era
contagiante a sensibilidade das músicas de Alexandre, que, misturadas a um
figurino elegante e um cenário simples com uma estante antiga, itens velhos e
uma pipa, remetiam a todo o sentimentalismo que guardamos no armário e perdemos
na infância. Como ele próprio explicou, o nome Bricabraque (título do show, que significa algo como “brechó”) é um
complemento ao CD Vendo Amor Em Suas
Mais Variadas Formas, Tamanhos e Posições, e o DVD Revendo Amor Com Pouco Uso, Quase na Caixa, e também trata do amor
como um objeto esquecido e empoeirado. E
esta seria uma visão pessimista deste sentimento se infelizmente não fosse tão
realista. Quantas vezes ao dia praticamos o amor ao próximo mesmo?
No decorrer do show, Nero se embriagava e esquecia as
letras. Seria um bom ponto para esculachar, caso eu fosse dessas que veem o
artista como alguém que tem obrigação de alguma coisa e adora procurar algo
para falar mal. Engraçado como os pagantes têm o direito sagrado de serem ingenuamente desrespeitosos
e rirem de poesias com palavrões sem notarem a beleza do contexto, mas um
artista no palco tem o dever sádico de ser perfeito. Mesmo assim, o relativismo de perfeição
é amplo, e honestamente, a mim interessou muito mais a interpretação
sarcástica, emocionante e forte das músicas do que o fato de ele esquecer que o
sexto remédio da letra de Paixonite era Dexclorfeniramina. Sem mencionar o fato
de que ele estava se divertindo e nos divertindo. Visivelmente alguém que ama o
que faz e faz o que dá vontade. É prazeroso assisti-lo sendo tão natural.
A banda era excelente e a interação do Nero com o pianista
me fez dar boas risadas em alguns momentos, quase como se eu fosse parte do
grupo, e para mim, sentir-se parte da arte é a melhor coisa que pode acontecer
a um pagante.
Nero ainda andou pelo público jogando ao ar pequenos pedaços
de papel enquanto questionava se éramos a favor ou contra uma série de coisas
sérias e não-tão-sérias, possivelmente porque ele mesmo ouve essas perguntas
diariamente e quis devolvê-las para nós. Perguntas retóricas, para emendar
Chorando em 2001 e dar continuidade ao show.
Claro que o momento mais bonito acabou sendo a interpretação
da quase inédita Canção Boba Alegre para Ninar Noá, composta para seu filho de
quatro meses. Uma música doce, com pegada de cantiga de infância, que trata do
amor de forma muito mais pura do que as outras canções. Linda. Pessoalmente
dizendo, dá vontade de ser alguém mais gentil só para que o Noá possa crescer
num mundo mais gentil mesmo.
E depois de quase duas horas falando de amor, contando
curiosidades sobre a composição de Carinhoso, e tentando ser compreendido por
um público de variadas idades e intenções, Nero ainda se dispôs a atender todos
que quisessem uma foto. Ou seja, todos. Uma enorme fila que demorou a encerrar.
Eu fui uma das últimas, mas deposito na bebida a esperança de que o Nero não se
lembre de mim, tamanha a minha incapacidade de saber me portar perante alguém
que adoro. Todo mundo fala sobre o quanto um artista precisa ser simpático, mas
e quando o público é sem noção? Eu fui sem noção, ele foi o maior dos
simpáticos. Ele, a banda, a produção e devo dizer, a irmã dele Andréa, que enquanto vendia DVDs e camisetas da Pignon Noir,
se mostrava completamente encantadora.
A sensação que Bricabraque deixou a quem o aproveitou para
pensar, cantar, se divertir e sentir é a melhor: amor. Amor à arte, à vida, ao
próximo, a si mesmo, ao mundo. O amor que respeita o próximo, que se solidariza, que ajuda a construir um lugar melhor. É esse o privilégio de acompanhar a carreira
desse artista humano numa era de corações e vozes robóticas. Ainda há
esperança.
Pronto! Prometo que
paro de falar do Nero por um tempinho (ou não).