O Grande Sucesso - Você PRECISA assistir


     Entrei numa peça e saí de um espetáculo. Ou fiquei na coxia. Não sei. Só sei que estou num não-lugar desde que assisti a O Grande Sucesso, e justamente, a necessidade de memorizar uma das frases me fez mexer na bolsa no meio da cena e pegar um caderninho para anotar (pois a memória é curta): “Aqui é um não-lugar. Não é a realidade, mas também não é ilusão.”
     É o limbo onde passamos a vida. Entre nenhum lugar e lugar nenhum. Tentando alcançar o tal do sucesso, mas sem saber direito o que é isso, e com aquela sensação de que todos ao nosso redor já encontraram um lugar ao sol, exceto nós mesmos.
     No início da peça, um urso e um coelho brincam com a plateia e, na verdade, o que se passa na cabeça da maioria é “será que algum deles é o Nero?”. Natural! Natural que estejamos acostumados a cultuar celebridades como semi-deuses a ponto de ficarmos nervosos com a possibilidade de um deles estar interagindo conosco em segredo.  E é exatamente disso que uma das músicas fala. Mas fala firme, fala forte, arrepia, atinge quem sente! O eco de um grito “VOCÊS SÃO TODOS INFALÍVEIS” permaneceu na minha cabeça durante toda a noite.
     Como público, eu me senti criticada. Não ofendida, criticada mesmo, como se tivéssemos trocado de posições, eu e o Nero. Como se eu tivesse passado para o outro lado da vitrine e por um breve momento, sentisse um por cento do que ele sente estando exposto a milhares de críticas diárias. Que porrada! Que puta porrada! Bizarro notar como constantemente esquecemos que artistas são seres humanos, com suas fragilidades, escolhas erradas e dias ruins. Confundimos imagem com pessoa e esperamos um comportamento sobre-humano de simples indivíduos. Pior, esquecemo-nos da nossa própria humanidade, e nos tornamos cada dia mais robóticos e manipuláveis; não nos permitimos errar nunca, não admitimos fraqueza, mas estamos sempre apontando os erros dos outros. É bom, de vez em quando, levarmos uns tapas na cara e sermos provocados a repensar nossos costumes. Arte boa é a que te dá nocaute.


     A peça, engraçada sem ser forçada, abusa tanto da metalinguagem que chega a criticar quem usa esse recurso. O texto é de enorme sensibilidade, uma inteligência indiscutível. Numa simples metáfora sobre qual prato você escolheria comer pelo resto da vida é possível refletir sobre o nosso próprio comodismo enquanto damos algumas gargalhadas.
     Os números musicais! Perfeitos! Desde o primeiro, já dá vontade de ficar de pé e gritar BRAVO. Aposto que se vendessem a trilha sonora na recepção do teatro, todos comprariam (se alguém da produção ler isso, por favor, providencie, eu necessito!).
     O elenco é impecável! Artistas completos! Atuam para caralho, cantam para caralho, são dançarinos e instrumentistas. Além disso, todos jogam muito bem em cena, têm ritmo, têm emoção. Tentam tirar a plateia da zona comum. Claro que para nós, pagantes, tudo é sempre confortável, e quando foi solicitado que levantássemos para uma foto, enrubescemos. Irônico, não? Não somos nós, justamente, que estamos sempre pedindo foto?


     A partir do ponto em que se destaca o tão falado personagem principal, TUDO arrepia. A simbologia em cima de um protagonista montado, um boneco, uma criatura irreal, uma imagem fabricada, um ser inexistente. Quem quer que tenha atingido o sucesso perdeu sua humanidade, ou talvez, nunca sequer tenha sido humano. O sucesso existe afinal ou não passa de uma imagem projetada por nós?
     Não suficiente, ainda somos expostos a um diálogo sobre Deus e questões existenciais. Um baque, um choque, uma sensação de vazio, e uma divina comparação entre a vida e o teatro. É impossível sair do espetáculo do mesmo jeito que entramos.
     Definitivamente, O Grande Sucesso é uma peça que cumpre tudo o que se espera de uma peça de teatro. É cômica, satírica, surpreendente, grandiosa, inteligente, musical, faz rir, chorar e pensar. É arte e é vida! Transforma os que estão abertos à transformação, reflexão e aprendizado.
     A todos que tiverem a oportunidade, vão ao teatro e tenham essa experiência. Vale muito a pena. Aproveitem. Eu duvido vocês não sentirem vontade de ir outra vez.

     A peça está em cartaz no Teatro Vivo em São Paulo, até outubro. Para mais informações e compra de ingressos, clique aqui. Instagram: ograndesucesso.
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